Friday, April 13, 2007

O dia a que fui a casa do Eu génio


A inércia mental das minhas ultimas semanas nao me permitiu distinguir o passado dia 21 de março nesta simples e desconcertante rotina de assaltos, a que alguns chamariam de vida.

Pois bem, o mágico esplendor desse dia em que alguns sãos se decidiram a finalmente homenagear a poesia, foi certamente o mais apropriado para receber o meu primeiro prémio, entregue pela Fundação Eugénio de Andrade no Porto.


Nao deixa no entanto de ser irónico, recebe-lo naquela que foi a casa do unico poeta com quem tive o prazer de conhecer, dialogar e até mesmo incomodar numa manhã quente e divinimente inspirada de infancia.


Deixo aqui então o poema premiado, que me garantiu inclusivé dois sacos repletos de maravilhas fnac.


:)



Um crucifixo chamado Jerusalém

Na rua de trás de onde eu moro
Leonor esvanece-se no sangue funesto dos pecadores
Examinam-lhe o corpo, os inspectores
E Leonor é chamada à reitoria.
Os médicos são também professores
E cozem umbigos aflitos em água fria.

Na rua de trás de onde eu moro
Há uma terra santa que ninguém conhece.
As crianças subalimentam-se dos sonhos do mundo
O homem é penitente e estimado vagabundo
Maldito seja o que não reze.

Numa rua de trás em que eu já morei
Leonor saboreia nas pedras divertidas da calçada
o sémen Hollywoodesco do amor
Porque uma vagina é sempre assim passarinhada
E Leonor é também ela filha do Senhor.
Nas ruas de trás de onde eu moro
Há um crucifixo chamado Jerusalém
Os padres ajoelham-se perante o sexo que não escolheram
E os cépticos pervertem-se felizes no ventre da sua mãe.

Na rua de trás em que eu já não moro
Há um sonambulismo de prazeres pagãos
O monge tira por vezes o sisudo hábito
Para nos amarmos todos como irmãos.

Na rua de trás onde eu as vezes moro
Leonor vai para a foda bem formosa e bem segura
Porque a poesia engana o mais descrente
E Camões apenas lhe roubou a literatura.

Leonor pede esmola em troca de poesia
Numa rua de trás onde não se quer morrer
Entre ninharias de palavras e doce pornografia
Leonor é uma trágica mendiga do ser.

Na rua de trás de onde eu ainda moro
Estão as linhas tortas do evangelho que deus escreveu.
Porque hoje todos os mendigos morrem.
Sobem a escada da miséria e vão dar ao céu.

2 Comments:

Blogger Prunella la Fuente said...

Como eu te gosto no que escreves...
Muitos parabéns, darling.
[E já agora, boa viagem!]
Bisou *

10:15 PM  
Blogger culpa in abstracto said...

obrigada. sabes q tb acho q tens um je ne sais quois de poetisa... enfim, predisposições... ;)

10:16 PM  

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